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Mesmo desanimada com a falta de opções de tratamentos, Letícia manteve a suspensão do procedimento de morte assistida
O celular da médica Letícia Franco, de 37 anos, recebeu inúmeras ligações na noite de 31 de março deste ano. Enquanto tomava remédios para controlar as dores que sentia, ela escutava o som dos telefonemas. A pedido da filha, a mãe da médica atendeu uma das ligações. No outro lado da linha, o empresário Guilherme Viñe, de 29 anos, pediu para rever a ex-namorada. Ele resolveu retomar o contato com Letícia após descobrir que ela decidira morrer.
Para Letícia e Guilherme, aquela última noite de março marcou a retomada de uma história de 10 anos atrás. No fim de junho, eles se casaram no civil.
Um mês antes das ligações do ex-namorado, Letícia havia decidido passar pelo procedimento de morte assistida em uma clínica na Suíça. Ela é portadora de uma rara doença crônica degenerativa e decidiu dar fim à própria vida após ser informada por médicos de que não havia tratamentos que pudessem curar a enfermidade.
Nos últimos nove anos, a médica sofreu cinco infartos e chegou a ser internada 35 vezes na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), em decorrência da doença.
No início de março, Letícia havia anunciado, por meio de uma publicação em seu Facebook, a viagem que faria para morrer na Suíça. A decisão da médica foi noticiada em portais de notícias de Cuiabá (MT), onde ela e Guilherme moram. O empresário estava em uma fila de banco, quando olhou o Facebook e se deparou com a informação em um site.
"Quando vi que a Letícia queria morrer, o meu chão desabou. Liguei para a minha mãe e comecei a chorar. A gente sempre pensa que essas coisas não acontecem com conhecidos, ainda mais sendo uma pessoa de que sempre gostei", diz Guilherme.
Depois de saber da decisão da ex-namorada, o empresário, que há anos não mantinha contato com ela, buscou formas de conseguir reencontrar a médica. Por semanas, ele ligou para a ex e não foi atendido. "A Letícia estava sempre medicada e sonolenta, então nem se atentava ao celular."
Logo que pegou o telefone, a mãe da médica atendeu a ligação. No outro lado da linha, Guilherme pediu para falar com a ex. "Como a minha sogra me conhece há muito tempo, pediu que eu fosse ao apartamento no outro dia, para me encontrar com a Letícia", relembra o empresário. Na noite seguinte, o ex-casal se reencontrou e passou a retomar o contato.
O reencontro com o ex-namorado é considerado por Letícia como um dos principais motivos para que ela decidisse procurar tratamentos que amenizassem suas dores, pois não há medicações que possam controlar sua doença. Ela afirma que o relacionamento a deixou mais disposta e motivou a suspensão do suicídio assistido.
O estado de saúde de Letícia foi piorando com o passar dos anos. Ela revela ter desenvolvido sintomas de lúpus, passou a ter quedas constantes e desenvolveu osteoporose. Para aliviar a dor, tomava morfina a cada quatro horas.
Diante do quadro de saúde cada vez pior, ela recebeu novo diagnóstico. Há três anos, um médico do Hospital das Clínicas de São Paulo informou a Letícia que ela é portadora de uma síndrome denominada Asia (sigla em inglês para síndrome autoimune/autoinflamatória induzida por adjuvantes). A doença é recém-descoberta, ainda está em fase de estudos e não foi definitivamente reconhecida no mundo científico. Os adjuvantes, que desenvolvem a enfermidade, são elementos externos.
No caso de Letícia, ela afirma que as próteses de silicone que colocou nos seios no fim da década de 90, e se romperam anos depois, fizeram com que se tornasse portadora da síndrome. "Quando coloquei as próteses, elas não eram feitas com material totalmente inerte ao organismo, como acreditavam que fosse", diz.
O médico informou a Letícia que a Asia não possui cura, apenas tratamentos paliativos - utilizados para amenizar as dores dos pacientes. O medo de passar a vida à base de remédios e sofrendo com dores, que mesmo com medicamentos não eram completamente amenizadas, fez com que a médica decidisse buscar o suicídio assistido.
Ela encaminhou um pedido para tornar-se membro da clínica de morte assistida Dignitas, na Suíça. A médica enviou exames que atestavam seu estado de saúde. A solicitação foi aprovada pela unidade e Letícia obteve permissão para passar pelo procedimento, que custa cerca de R$ 15 mil. A Suíça permite a prática em pessoas com doenças terminais. No Brasil, o ato é considerado ilegal.
A médica explicou aos pais sobre a decisão de morrer. "Eles viam a minha dor e sabiam o quanto aquilo me fazia mal. No início, foi difícil para eles, mas acabaram aceitando. Depois, minha mãe pediu para que eu não fosse", relata. Católica, a médica chegou a conversar com padres sobre a decisão. "Eles não se opuseram, nem me apoiaram."
Depois da repercussão da publicação no Facebook, Letícia ponderou a decisão sobre a morte assistida e suspendeu o procedimento. Dias depois, recebeu um e-mail do médico israelense Yehuda Shoenfeld, um dos principais pesquisadores da síndrome Asia no mundo. Eles dialogaram sobre possíveis tratamentos que poderiam ser buscados pela brasileira.
Em entrevista à BBC News Brasil, em reportagem publicada em 29 de março, Shoenfeld afirma que a síndrome Asia não é terminal. "Tem gente que vive 94 anos e tem gente que pode viver quatro meses, assim como acontece com quem tem outras doenças autoimunes. Não significa que alguém vá morrer", diz.
No início de abril, Letícia detalha ter recebido um e-mail que a desestimulou na luta contra a síndrome. "O Shoenfeld havia proposto que eu buscasse alguns tratamentos, mas eu já havia feito todos os que ele indicava. Então, ele me disse que sentia muito, mas não tinha mais o que ser feito no meu caso", comenta.
Mesmo desanimada com a falta de opções de tratamentos, Letícia manteve a suspensão do procedimento de morte assistida. Segundo ela, um dos principais motivos que a fizeram querer continuar viva foi Guilherme. "Antes de ele ir à minha casa, eu não queria receber ninguém, porque pensava que estava feia e não queria visitas. Mas a minha mãe insistiu e acabei deixando que ele fosse me visitar. No nosso primeiro reencontro, conversamos muito e nem vimos a hora passar. Foi então que comecei a reaprender sobre a vida", diz a médica.
Eles retomaram o contato com frequência. Guilherme passou a visitar a Letícia diariamente. "Eu não imaginava que as coisas fossem acontecer tão rápido. Durante os 10 anos em que ficamos afastados, sempre mandava mensagens pra ela, mas nunca havia respostas. Quando eu a via na rua ou em algum lugar, meu coração disparava, mas não nos falávamos", comenta o empresário.
"Eu achava que ele tinha raiva de mim, por eu ter ido embora sem avisá-lo. Não respondia as mensagens recentes dele, durante o tratamento, porque não queria ver ninguém", justifica a médica.
Pouco mais de uma semana depois de se reaproximarem, Letícia e Guilherme voltaram a namorar. Ela, então, pediu que eles morassem juntos. "Eu falei para ele se mudar para o meu apartamento, porque não queria perder tempo. Ele me respondeu que viria, porém eu não acreditei. Mas no dia seguinte ele começou a trazer as coisas dele para a minha casa", diverte-se a médica, enquanto troca sorrisos com o agora marido.
Ao se mudar para a casa da ex, Guilherme desistiu de ir morar em Curitiba. Ele estava com a viagem planejada para o mês seguinte. "Preferi ficar com ela e recomeçar a nossa vida", diz. Uma das primeiras tarefas dele, ao recomeçar o relacionamento, foi convencer os sogros de que seria uma boa companhia para a médica.
"A Letícia sempre gostou muito do sol e eu disse para a minha sogra que iria fazer a filha dela voltar a enxergá-lo. Também expliquei para o meu sogro que eu realmente gosto dela e, por isso, tinha decidido ficar", diz Guilherme.
O empresário considera que uma de suas maiores missões, desde a retomada do relacionamento, foi aprender a cuidar da companheira. "Ele tinha muito medo de aplicar injeção na minha veia. Na primeira vez, quase desmaiou. Mas hoje ele aprendeu e faz certinho", conta Letícia, aos risos.
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